segunda-feira, 4 de maio de 2009

Design latino-americano

Entrevista a Ethel Leon (ver original aqui)

Gui Bonsiepe e Silva Fernández falam sobre o trabalho da edição do livro História do Design na América Latina e no Caribe 1950-2000, Industrialização e design para a autonomia.

O livro História do Design na América Latina e no Caribe 1950-2000, Industrialização e design para a autonomia foi pré-lançado em Buenos Aires em 12 de dezembro passado, no Museu Nacional de Belas Artes. A obra reúne artigos sobre as histórias do design em Cuba, no México, Venezuela, Colômbia, Equador, Chile, Argentina, Uruguai e Brasil. Além disso, tem uma seção de “Influências e Perspectivas” com artigos de temas como a influência da gráfica suíça na América Latina; ou a evasão de designers gráficos da Espanha franquista para a os países latino-americanos.

Traz também temas de interesse teórico, histórico e de questões estratégicas para o design contemporâneo como a sustentabilidade, o ensino e a teoria dos objetos, entre outros. Na apresentação do livro estiveram presentes autores de México, Brasil e Argentina, além do próprio editor, dr. Edgar Blücher.

Coordenado pela designer em comunicação visual e pesquisadora argentina Silvia Fernández e pelo designer e teórico alemão Gui Bonsiepe, o livro será lançado em 2008 pela Editora Edgar Blücher em português e em espanhol. Com 380 páginas, formato 20 x 25, 450 ilustrações, projeto gráfico de Carlos Venancio, o livro utiliza a fonte tipográfica Borges, criada por Alejandro Lo Celso.

Na entrevista abaixo, Silvia Fernández e Gui Bonsiepe contam um pouco do processo de construção do livro e de seu conteúdo.

Por que um livro sobre a história do design na América Latina?

GB Antes de mais nada, é preciso observar o desprezo da historiografia acadêmica oficial pelo mundo do projeto. A história do design, em verdade, deveria fazer parte de uma antropologia do cotidiano, que ainda não foi realizada. A importância desse tema para a América Latina é que há pouquíssimos relatos de alguns países e não uma história conjunta. Construí-la significa perceber movimentos simultâneos em diversos países e traçar perspectivas comuns. Em tempos de ‘desmemória’, faz falta uma memória do design, documentar o que ainda é documentável com base em fontes primárias, ou seja, empiricamente. Muitos documentos foram perdidos e obviamente não se pode construir uma história puramente especulativa. Faz-se necessário material concreto: fotografias, memoriais descritivos dos projetos que restaram, em casos de sorte, escondidos em algum arquivo de uma empresa ou de um estúdio de design que já não mais existe. É preciso um trabalho titânico para recuperar uma parte ainda pequena da história do design na América Latina.

Como começou o projeto?

GB Foi preciso definir um alinhamento e uma temática central. As investigações deveriam centrar-se em design de produtos e design gráfico, privilegiando a pesquisa empírica, o material bruto. Essa postura foi fundamental. Não queríamos um livro de interpretações e procuramos fugir das armadilhas acadêmicas, ou seja, daqueles livros sobre livros. Não queríamos seguir a tendência da história da arte que vê o design predominantemente como fenômeno de estilo, ou fenômeno estético, sem relação alguma com o mundo da indústria, da tecnologia e da economia. As recomendações surgiram de um debate com os pesquisadores participantes. Para alguns autores não foi fácil “digerir” estas recomendações e segui-las. Em alguns casos tivemos de enfrentar a desagradável tarefa de cortar um trabalho porque não se enquadrava nas recomendações. Além disso, insistimos na necessidade de trabalhos novos e não textos reciclados. Este livro não é uma coletânea acadêmica de papers, mas um livro de contribuições novas. É uma produção coletiva.


E a equipe de autores?

SF. Em outubro de 2003 constituímos a rede latino-americana para desenvolver os artigos nacionais. Em outubro de 2004 fizemos uma primeira reunião em La Plata, Argentina. Em outubro de 2005, fizemos nova reunião em La Cholula, no México. Os 24 autores foram entregando seus avanços, e verificávamos até que ponto os artigos cumpriam as recomendações decididas por todos. Não recorremos à tradição dos peer reviews. Os trabalhos foram revisados pelos colegas que participaram do projeto.

Ao privilegiar os fatos, a base empírica, as histórias construídas não se tornaram uma justaposição de fatos?

GB Não, os autores analisaram os fatos, apenas procuramos evitar as opiniões frágeis. Argumentos, sim, opiniões não. Algumas palavras foram propositalmente banidas de nosso léxico: design inovador, design criativo, design interessante. São palavras vazias usadas quando não se sabe dizer algo mais substancial, além da expressão de uma preferência pessoal que não nos interessa... Procuramos casar as imagens com os conteúdos editoriais. Também quisemos evitar a armadilha de privilegiar aspectos formais. Essa história não deveria ser uma história de estilos. Portanto, as ilustrações, por vezes, não são ilustrações de designs ‘bonitinhos’. Não se trata de um coffee table book de design.


Quando se fala em design latino-americano, o tema da identidade vem sempre á baila...


GB Nós nos propusemos fugir desses debates contínuos de identidades nacionais ou locais, fugindo do ‘essencialismo’ quando se fala de design latino-americano. Preferimos, sim, enraizar a história no contexto sócio-político e sócio-econômico, desvendando as relações entre política industrial e design.

Alguns personagens, como pioneiros ou teóricos, ganharam destaque?

GB Procuramos evitar uma história dos casos de estrelas, produtos ou designers. Propusemos, inclusive, trazer à luz o design anônimo, compensando essa injustiça histórica de privilegiar uns tantos autores individuais. Nesse mesmo sentido, ampliamos a tipologia dos designs; não queríamos nos restringir a certas manifestações – como as cadeiras e as marcas. Buscamos o design em muitas áreas, em aparelhos médicos, transportes, máquinas agrícolas.

SF Fizemos questão de apresentar o índice Gini de cada país, deixando claro de que lugar estamos fazendo a história. Este indicador da desigualdade econômica de rendas entre os grupos sociais nos parece muito revelador, particularmente no caso de América Latina.

O que o livro deixou de fora?


GB Propositalmente, o livro não enfoca as relações do design com a arte, a literatura, a música, nem mesmo a arquitetura. Nosso caminho foi buscar o design presente nas indústrias, as relações sócio-políticas. É claro que houve vieses teóricos nos escritos, mas não especulativos, paraliterários ou parafilosóficos.

A rede teve apoio das universidades latino-americanas?


SF Espantosamente não. Tratamos de conseguir o apoio de um programa da União Européia que fomentava a colaboração entre universidades européias e latino-americanas. As exigências para poder construir uma proposta eram pesadas, por exemplo, cada universidade participante deveria apresentar a assinatura de ninguém menos que o reitor! E quantos reitores há que jamais ouviram a palavra design ?

Gastamos um ano de esforços para conseguir toda a documentação prévia exigida, embora fosse pequena a esperança de competir com outras áreas privilegiadas, como a informática. Vinte reitores de universidades latino-americanas e européias assinaram documentos apoiando o projeto para ser apresentado na Europa. Se bem me recordo, inscreveram-se cerca de 60 solicitações – a nossa foi a única na área do design, que é uma área marginalizada no sistema de apoio à pesquisa. Poucos projetos passaram ao seleto grupo que recebeu financiamento. Obviamente não estamos nesse grupo. O design cai fora porque não se enquadra nas estruturas tradicionais dominantes do conhecimento humano. A partir daí, ficou claro para nós que deveríamos nos manter fora das estruturas acadêmicas tradicionais. Em dado momento cultivamos a - ingênua - esperança de conseguir apoio financeiro em ministérios (na Argentina) que deveriam ter muito interesse no assunto que estávamos investigando – ministério da economia e indústria. Mas a palavra design é desconhecida nesse meio. A resposta padrão foi: não nos compete apoiar esse tipo de trabalho. Registramos um profundo desinteresse pelo design e por sua pesquisa. E os programas nacionais de design? Nada, não têm recursos, como por exemplo, na Argentina, onde contatei os organismos competentes. Esse foi um trabalho que se apoiou no voluntariado com apoio financeiro pessoal de alguns participantes. O percurso foi muito árduo. Foi preciso traduzir de seis idiomas, construir gráficos, checar referências, bibliografia, compatibilizar as imagens...Houve momentos de baixa, mas conseguimos!

Mais informações: www.nodal.com.ar

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